Público e oculto
Em post publicado ontem à noite neste blog, eu expliquei o que é a chamada doação oculta. E demonstrei que o deputado Flávio Dino (PCdoB), relator da minirreforma eleitoral que institucionalizou a doação oculta, se utilizou do mecanismo em 2006.
Hoje, o deputado questionou meus argumentos. Via Twitter, Flávio Dino me disse que todas as doações são públicas. O parlamentar desdenhou (“Algo não pode ser público e oculto ao mesmo tempo. Parece-me básico”) e quis sair por cima (“Qdo voce ler as leis, voltamos a conversar”).
Bom, nosso dissenso, semântico, é com relação ao termo “oculto”. Para o parlamentar do Maranhão, dar publicidade a alguns dados é suficiente para que as informações ganhem sentido.
Mas não é bem assim.
Algo pode ser público e oculto ao mesmo tempo, sim senhor. Parece-me básico.
Vejamos.
A declaração do deputado Flavio Dino entregue ao Tribunal Superior Eleitoral para justificar a arrecadação de dinheiro para a campanha de 2006 indica que o nobre parlamentar recebeu R$ 545 mil de uma única fonte: o “Comitê”.
É verdade que as doações a esse ente inanimado são públicas: o “Comitê” recebeu R$ 596 mil de 25 doadores, sendo sete empresas e dezoito pessoas físicas. Sabemos quem são e conhecemos o montante que cada um repassou ao “Comitê”.
Mas veja que alguns dinheiros que o “Comitê” recebeu NÃO foram repassados à campanha de Flávio Dino. Há uma diferença de pouco mais de R$ 50 mil aí.
Agora, a pergunta que não quer calar: quem financiou a campanha de Flávio Dino? Resposta: Não se sabe.
Não se sabe porque não dá para afirmar categoricamente que as sete empresas (ou as dezoito pessoas) que doaram ao “Comitê” queriam na verdade repassar a grana pro deputado Dino.
Exemplo: a Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga doou R$ 20 mil ao “Comitê”.
Quereria a Ipiranga dar dinheiro ao nobre Dino? Não se sabe.
Pode ter ocorrido, por exemplo, de o representante da empresa ter combinado com o “Comitê”:
Olha, vou dar R$ 20 mil pra vocês, mas não passem essa grana pro Dino. Ele vai contra nossos interesses.
(Relembrando: R$ 50 mil do “Comitê” não foram repassados à campanha do deputado Flávio Dino).
Mas pode ter ocorrido o oposto.
Pode ter se passado o seguinte diálogo:
Olha, vou dar R$ 20 mil para vocês, mas eu quero que você repasse essa grana para o Dino. Não quero passar diretamente para ele para evitar que fiquem no meu pé, sabe? Mas o Dino é parceiro nosso, quero que a grana vá para ele.
E agora? Nesses tempos de importantes discussões sobre a indústria petrolífera brasileira, como avaliar determinado posicionamento do deputado Flávio Dino? Se ele votar a favor de alguma demanda da Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga, poderemos dizer que o parlamentar agiu assim em defesa de seus amigos?
Não, não poderemos. Sabe por quê? Porque não se conhece a origem do dinheiro que partiu da sociedade e chegou à campanha de Flávio Dino. As informações foram publicadas, mas as conclusões se tornaram impossíveis.
Público, mas oculto.
Para não parecer algo pessoal, ressalte-se que o deputado Flávio Dino não é o único a se utilizar do mecanismo.
Para ficar só na bancada do Maranhão na Câmara dos Deputados:
- Zequinha Sarney (PV): 34% da arrecadação do filho do presidente do Senado veio do “Comitê”;
- Nice Lobão (DEM): A mulher do ministro de Minas e Energia declarou ter recebido R$ 56 mil do “Comitê”
Público e oculto. Simples assim.
Filed under: Acesso a informação, captura do Estado, Controle, Financiamento de campanha, Prevenção, reforma política, transparência | 10 Comments
Tags:acesso à informação pública, base de dados, captura do Estado, congresso, dados, financiamento, financiamento eleitoral, informação pública, Legislativo
Acompanhei a discussão no twitter, e era claro o tom tergiversatório do deputado. O outro post e, principalmente este, encerram a questão e demonstram como funciona os mecanismos de financiamento privado das campanhas. Parabéns.
Valeu, Vinicius. Volte sempre.
O nobre deputado só pode se fazer de desentendido ou crer que todos nós cidadãos somos burros. Nem precisava desta aritmética básica.
PS: Flávio Dino pelo menos tem um mérito: utilizar o Twitter para dialogar. Não como outros “modernos” parlamentares que se calam quando o assunto não lhes interessam. Ou utilizam de comentários anônimos.
É verdade, Glaydson. Ele tem esse mérito mesmo… Bem lembrado.
Boa Fabiano! Parabéns pelo blog.
Obrigado, Guta. Manda um beijo pra Catarina e outro pra dona Raquel.
Fabiano, excelente blog!
O “nobre deputado” certamente achou que vc era mais um desentido no curral. Errou.
Muito obrigado, Cecília. também gostei do teu blog. Volte sempre.
Muito legal, Fabiano. Mas ainda há um agravante. Com a formalização da doação oculta, o eleitor chega à urna de votação sem saber que interesses podem estar por trás de certo candidato. Explicando: na tramitação dessa minirreforma, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) propôs emenda na qual o candidato era obrigado a divulgar na internet, duas vezes no período de campanha –antes do dia das eleições–, os gastos e os doadores diretos. (Hoje, o candidato é obrigado apenas a divulgar as receitas, o que entrou no caixa). Enfim, a proposta foi rechaçada logo no Senado. Na Câmara, ninguém pensou em ressuscitá-la. Assim, não é só depois das eleições que fica difícil saber a que interesses o congressista atende em seu mandato. Também antes de votar, o eleitor não fica informado sobre isso e pode acabar escolhendo mal. Um abraço.
Exatamente. Tem mais essa.